MT: Estudo sobre contaminação das águas identifica cinco agrotóxicos proibidos fora do Brasil

Por Maria Vitória de Moura¹
Da Fase

Em parceria com o Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador (NEAST), da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), o programa da FASE no Mato Grosso analisou agrotóxicos presentes na água utilizada pelos agricultores/as do Assentamento Roseli Nunes, no município de Mirassol D´Oeste. O assentamento, é referência em produção agroecológica no estado, porém está cercado por plantações de soja e cana-de-açúcar, nas quais é feita a utilização de agrotóxicos via terrestre e área. 

Nas águas da comunidade, foram coletadas amostras das águas do Rio Bugres, córregos e das águas de abastecimento de casas e da escola da comunidade, cujo resultado detectou a presença de até sete ingredientes ativos, sendo 2, 4- D, Atrazina, Clomazone, Imidacloprido, Picloram, Fipronil e Carbendazim. Desses sete, cinco são proibidos na União Europeia, Canadá e Austrália, justamente por apresentarem riscos para o meio ambiente e para a saúde humana. Os resultados preliminares dessa pesquisa foram apresentados em assembleia organizada com o Coletivo Resistência Roseli Nunes, que debateu os impactos dos produtos. O estudo também está sendo desenvolvido em outras três comunidades da bacia do Pantanal, nas cidades de Cáceres e Poconé. 

Para Fran Paula, engenheira agrônoma, mestre em saúde pública e educadora da FASE em Mato Grosso, a pesquisa não se trata de uma atividade isolada, a FASE já vem monitorando os impactos dos agrotóxicos sobre as comunidades rurais há muitos anos. “Esse monitoramento faz parte do nosso trabalho com  agroecologia, incentivo a criação de territórios livres de agrotóxicos e transgênicos. Em 2020 já havíamos denunciado a situação preocupante das comunidades rurais no estado, expostas a agrotóxicos através do relatório Agrotóxicos e Violações de Direitos Humanos“.  Os resultados finais serão publicados em novembro como resultado de uma das atividades do projeto Amazônia Agroecológica².

Dentro das “normas”, mas ainda sim perigosos

A quantidade de agrotóxicos encontrada na água está dentro da portaria de potabilidade da água do Ministério da Saúde. Porém, alguns desses ingredientes não possuem dados de portabilidade no Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), como o Picloram, Fipronil, Carbendazim, Clomazone e Imidacloprido. Acerca disso, Márcia Montanari Corrêa, professora do Departamento de Saúde Coletiva da UFMT e pesquisadora do NEAST, alerta que, “dentro do corpo humano não existe limite seguro de ingestão de agrotóxicos”, então, a ingestão ou inalação de qualquer quantidade de veneno pode ter consequências para a saúde, principalmente porque os agrotóxicos são residuais. 

A assembleia também contou com as participações remotas da Deputada Federal Professora Rosa Neide e dos Deputados Estaduais de Mato Grosso, Valdir Barranco, e Ludio Cabral. Em sua fala, professora Rosa salientou a importância da pesquisa realizada na água da região, pois apenas “descobrindo, de fato, o que está acontecendo, poderemos intensificar a nossa luta”. Em seguida, Valdir parabenizou as lideranças e instituições pela iniciativa de abordar uma temática “importante na luta contra os agrotóxicos”. 

Também estiveram presentes o Juiz Titular da Vara do Trabalho de Mirassol D´Oeste, Ulisses de Miranda Taveira, e o Procurador do Trabalho de Mato Grosso, Bruno Choairy Cunha de Lima. Ambos foram chamados à mesa e discursaram sobre o que haviam presenciado durante todo o dia no assentamento, apoiando a comunidade no combate aos agrotóxicos. Durante sua fala, o Juiz Ulisses de Miranda afirmou que “é preciso transformar a realidade demonstrada pelos resultados”. 

O Procurador Bruno Choairy, também coordenador do Fórum Estadual de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos de Mato Grosso, relatou ter visto durante a visita “alimentos de verdade”, que propiciam a segurança alimentar da população brasileira, sendo, segundo ele, um cenário diferente do que é geralmente visto no estado, onde há “quilômetros e quilômetros de soja e algodão, plantações que não conseguimos identificar como alimento”. E reforçou, como sua principal experiência no Roseli Nunes, a visão de que possível mudar e produzir de forma agroecológica e sustentável.

As lideranças locais do assentamento, assim como membros de organizações apoiadoras, também discursaram durante o evento. A exemplo de Miraci Pereira da Silva, que usou da palavra para representar a ARPA e o Centro de Tecnologia Alternativa (CTA). “Ao mesmo tempo em que me indigna os resultados demonstrados aqui hoje, me fortalece ver companheiros e companheiras, e várias organizações, presentes em nossa escola, comprometidos com essa causa”, disse Miraci. A professora Ana Luiza Furlan, representando a escola Madre Cristina, reforçou que “as crianças precisam saber refletir a realidade de onde elas moram, precisam saber seu papel nessa realidade e nessa luta. Entender porque essa escola é de luta e porque ela sobrevive até hoje”. 

Sobre o assentamento, Nério Gomes de Souza, uma das lideranças do locais e ex-vereador de Mirassol  D’ Oeste, conta que teve início em 1998, com 330 famílias. Dessas, cerca de 270 continuam em seus lotes. Em 2003, surgiu no assentamento a Associação Regional de Produtores Agroecológicos (ARPA), um conjunto de grupos de produtores familiares dispostos a seguir os princípios da associação, como a não utilização de agrotóxicos. Atualmente, a ARPA conta com oito grupos, três no Roseli Nunes e cinco em outros assentamentos da região. “Nós utilizamos inseticidas naturais, que nós mesmos produzimos, biofertilizantes e controle biológico. Conseguíamos produzir 300 toneladas de alimentos, que eram entregues a mais de 8 mil alunos e 750 famílias. Com as mudanças de governo, os projetos para a agricultura familiar foram diminuindo. Nos últimos dois anos, não houve nenhum”. 

[1] Estagiária, sob supervisão de Claudio Nogueira.

[2] 

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