Assembleia do RS debate malefícios de agrotóxicos na produção agrícola


Audiência Pública ouviu especialistas e órgãos governamentais para discutir o tema | Foto: Galileu Oldenburg/ALRS

Samir Oliveira

Quantas substâncias químicas possui uma folha de alface, um pimentão ou uma batata? Invisíveis ao olho nu, os agrotóxicos impregnam a maior parte dos alimentos cultivados que são vendidos nas prateleiras dos supermercados e atacam diariamente a saúde dos brasileiros de uma forma silenciosa e, às vezes, letal.

Na manhã desta quarta-feira (2), a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul realizou uma audiência pública sobre a utilização de agrotóxicos na produção agrícola. O tema não é novo e, apesar de o Brasil ser o maior consumidor desses produtos no mundo, o assunto encontra dificuldades para se consolidar na agenda pública estadual e nacional devido à influência das empresas que produzem os chamados “defensivos agrícolas”.

Para se ter uma ideia do volume de dinheiro movimentado pelo setor, somente em 2010 foram vendidas 789,9 mil toneladas de agrotóxicos no país, totalizando um montante de US$ 6,8 bilhões. Até 2009, o Brasil possuía 2.195 marcas registradas e 434 tipos diferentes de agrotóxicos à disposição dos produtores rurais. E 80% desse mercado é absorvido por apenas dez empresas: Syngenta, Milenia, Monsanto, Nufarm, Daw, Bayer, Basf, Nortox, Atanor e DuPont.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

A licença para que os produtos sejam comercializados no país é cedida pelo governo federal através de análises dos ministérios da Saúde, da Agricultura e do Meio Ambiente. E o registro, a análise química e o acompanhamento são feitos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Somente em 2008, a Anvisa avaliou negativamente 12 substâncias presentes em agrotóxicos que já são proibidas em todos os 27 países da União Europeia. O problema é que, mesmo constatando a presença de elementos prejudiciais à saúde, a agência não pode retirar o registro de circulação das mercadorias, que é concedido em caráter permanente. Ou seja, não está sujeito a renovações periódicas, como ocorre com a licença para a venda de medicamentos, por exemplo.

“Depois que um produto entra no mercado, é muito difícil retirá-lo”, reconhece a gerente-geral de Toxicologia da Anvisa, Ana Maria Vekic, que esteve presente na audiência pública promovida pelo Parlamento gaúcho. Ela comenta que, mesmo que a agência adote as medidas necessárias para que o agrotóxico em questão deixe de ser vendido, as empresas recorrem à Justiça e os procedimentos se arrastam durante anos.

Ana Maria também lamenta a pouca estrutura que a Anvisa tem para fiscalizar a circulação de agrotóxicos no Brasil. “São apenas 32 servidores. Há uma demanda muito grande de trabalho e pouca gente para atender”, critica.

Intoxicação vitimou 891 brasileiros entre 2004 e 2008

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Uma pesquisa do Ministério da Saúde e da Fundação Oswaldo Cruz revela que, entre 2004 e 2004, 891 pessoas morreram no Brasil devido à intoxicação por agrotóxicos. A doutora em epidemiologia Neici Faria estima que o número de malefícios causados por esses produtos deve ser muito maior do que o que é apurado oficialmente, já que os registros são precários e, muitas vezes, não relacionam uma doença a um agrotóxico.

“O registro de intoxicações agudas é extremamente subnotificado”, observa a médica. Ela explica que o contato com os agrotóxicos costuma ocorrer de várias formas, acarretando em uma “exposição multiquímica”, o que torna difícil apurar um diagnóstico preciso.

Além dos efeitos físicos no organismo, a exposição a agrotóxicos pode gerar, também, malefícios psicológicos. A mesma pesquisa do Ministério da Saúde informa que, entre 2004 e 2008, mais de 12 mil pessoas que se intoxicaram com esses produtos tentaram cometer suicídio. “Reduzir ou evitar a exposição a agrotóxicos pode melhorar a saúde mental dos trabalhadores”, garante a epidemiologista Neici Faria.

“Há muito interesse econômico por trás”, alerta deputado

O deputado estadual Jeferson Fernandes (PT) esteve presente na audiência pública desta quarta-feira (2) que tratou do uso de agrotóxicos na produção agrícola. O petista disse que há uma “ideologia do aumento da produção” por parte de quem vende esses produtos. “Quem tenta resistir a essa lógica mercadológica é visto como sinônimo do atraso”, lamenta.

Jeferson Fernandes (direita) diz que empresas influenciam posição dos deputados com doações para campanhas | Foto: Galileu Oldenburg/ALRS

O parlamentar alerta que esse pensamento predomina, inclusive, dentro da Assembleia Legislativa gaúcha. “Dentro desta Casa já ouvi deputados condenando os órgãos que fiscalizam. Já ouvi frases completas de deputados dizendo que é preciso acabar com a Anvisa”, revelou.

Jeferson Fernandes acredita que é preciso vencer as pressões que envolvem o tema para que o assunto possa ser debatido na sociedade. “Há muito interesse econômico por trás. Há, inclusive, empresas que patrocinam campanhas eleitorais e evitam que o tema seja pautado nos espaços públicos”, critica.

O deputado Edegar Pretto (PT) também condena a ideia de que o produtor rural só poderá ter sucesso em sua plantação se utilizar os agrotóxicos. “O problema é que se não usar tanto veneno, não se tem tanto lucro. Trata-se da priorização do lucro em detrimento da vida humana”, opina.

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