Benefício fiscal a agrotóxico: quem paga a conta?

STF deve julgar amanhã inconstitucionalidade das leis que incentivam venenos no campo. Bolsa-agrotóxico custa 7,8 bi ao país, contamina Ambiente e gera mais gastos aos SUS. É preciso derrotá-la e apostar na agricultura familiar

Agrotóxicos devem ter isenções ou reduções fiscais? São produtos essenciais que merecem subsídios? Essas questões começam a ser respondidas pelo Supremo Tribunal Federal na próxima sexta (30), em sessão virtual do plenário com julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5553.

A ação discute a inconstitucionalidade dos benefícios fiscais de ICMS e IPI a agrotóxicos, garantidos pelo Convênio 100/1997 do Conselho Nacional de Política Fazendária e pelo Decreto 8.950/2016.

Ajuizada pelo PSOL em 2016, a ADI suscita debates intensos na sociedade civil. De um lado, defendendo o fim dos benefícios fiscais aos agrotóxicos, organizações de defesa dos direitos humanos, de saúde coletiva, de defesa dos direitos dos consumidores e as defensorias públicas de São Paulo e da União. Do outro, sustentando a permanência dos subsídios, organizações de representação do agronegócio e da indústria de agrotóxicos.

Além do direito à saúde, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à alimentação adequada e à segurança alimentar e nutricional, a ADI questiona a inadequação dos subsídios aos princípios da essencialidade e seletividade tributárias. Com base neles é possível selecionar produtos que sejam essenciais para a população brasileira e sua qualidade de vida e conceder benefícios fiscais, como uma forma de garantia de acesso a tais bens.

Ocorre que no Brasil, o aumento exponencial do uso de agrotóxicos é facilitado por uma espécie de “política extrafiscal reversa” em que se estimula a aplicação ao invés de promover políticas de redução de químicos agrícolas ou transição ecológica.

Pesquisa da UFMT indica que a soja foi a cultura que mais utilizou agrotóxicos no país, representando 63% do total, seguido do milho (13%) e da cana-de-açúcar (5%). Soja, milho e cana-de-açúcar constituem 76% de toda a área plantada do Brasil e corresponderam a 82% de todo o consumo de agrotóxicos em 2015.

E mais agrotóxico não significa mais produtividade. Em análise sobre a proporção da produtividade e uso de agrotóxicos na soja, identificou-se que, de 2000 a 2012, o uso de herbicidas por unidade de área cresceu 90,3%, enquanto a produtividade da soja por kg de herbicida cresceu apenas 50,7%.

São culturas majoritariamente destinadas à exportação que consomem a maior parte do agrotóxico utilizado no Brasil e que além das isenções fiscais para esses produtos também são beneficiadas com desoneração de tributos que incidem sobre as exportações brasileiras, como o IPI, o ICMS, o PIS/PASEP e o COFINS.

E, como vimos com o arroz, na primeira oportunidade lucrativa os grandes produtores escoam seus produtos ao mercado internacional, elevando os preços da comida para a população brasileira. Quem garante esses alimentos no mercado interno são justamente os agricultores familiares.

Os produtos são exportados, mas os venenos permanecem em nosso solo, águas e corpos. São as diversas externalidades e custos indiretos da utilização desses produtos. Conforme pesquisa da Fiocruz, para cada US$ 1 gasto na compra de agrotóxicos, US$ 1,28 são gerados de custos externos com o tratamento de intoxicações agudas.

De 2007 a 2015 foram registrados 84.206 casos de intoxicação por agrotóxicos no Brasil, desconsiderando o alto índice de subnotificação. Além disso, conforme o Sisagua, 1 em cada 4 municípios brasileiros tem as águas contaminadas por ao menos 27 tipos de agrotóxicos, 16 destes altamente tóxicos.

E o alimento vai ficar mais caro? Conforme o Censo agropecuário de 2017, propriedades de 2 a 5 hectares, as maiores em número no Brasil, com cerca de 420 mil estabelecimentos cultivados majoritariamente pela agricultura familiar, afirmam gastar cerca de 1,67% das despesas de produção com agrotóxicos. Propriedades com até 100 hectares afirmam gastar menos que 5% do custo total de produção de alimentos com agrotóxicos. Sem contar que temos 5 milhões de estabelecimentos rurais no Brasil, destes somente 1,6 milhões usam agrotóxicos. 

É da agricultura familiar, grupo com baixa despesa do custo de produção com agrotóxicos, que consumimos cerca de 70% do chega em nossa mesa. Portanto, o impacto maior é aos grandes produtores exportadores.

Mesmo assim, apesar do terrorismo do agronegócio que parece afirmar que iria à falência com a tributação, o valor de aumento do preço do agrotóxico poderia variar no máximo de 4% a 7%. Esse valor não é diretamente repassado ao consumidor no alimento, não é uma correia direta de transmissão. Justamente porque os alimentos vendidos no mercado interno não têm alta taxa de custo de produção com agrotóxicos, diferentemente dos produtos que são massivamente exportados e dependem de aplicação extensiva de agrotóxicos.

Veja-se, a ADI não trata de sobretaxação (como ocorre com cigarros e álcool), apenas questiona o fato de agrotóxicos terem isenções fiscais, isto é, serem beneficiados de impostos que outros produtos já pagam. A ADI também não trata de isenções de PIS/Confins e II, que também conformam o “pacote de benefícios” aos agrotóxicos.

Alimentos devem ter isenções fiscais, não os agrotóxicos. E para a concessão de benefícios dessa natureza, com base na essencialidade tributária, as decisões administrativas devem ser fundamentadas. O que não ocorreu. O estímulo é ofertado há 23 anos sem critérios técnicos e sem a motivação da adequação e necessidade da medida – conforme a ata da reunião de aprovação dos benefícios do Convênio Confaz) apresentada pelo Ministério da Fazenda.

Quem deve pagar essa conta de cerca de 7,8 bilhões, que segundo a Abrasco, deixam de ser arrecadados aos cofres públicos e ainda os custos externos de contaminação da biodiversidade e tratamentos com saúde no SUS? Você? O Estado? Ou aqueles que poluem e contaminam?

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