Criar animais em agroecossistemas reforça identidade e ancestralidade camponesa

A perspectiva agroecológica favorece uma cadeia sustentável que inclui o baixo custo na criação e o resgate de espécies

Por Daniel Lamir, no Brasil de Fato

A identidade camponesa está em muitos detalhes, como acordar com o som do galo ou preparar um bode assado para celebrar a vida.  

A criação de animais faz parte da cultura camponesa para questões como geração de renda, transporte e produção de alimentos. Mas pela agroecologia, essa lista de funções pode ser bem mais ampla e incluir, por exemplo, controle biológico no ambiente e benefícios para a saúde da agricultura familiar. 

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A veterinária Marilene Melo é bolsista do Instituto Nacional do Semiárido (INSA). Ela trabalha na temática da criação de animais e possui mestrado em agroecologia.

Ao comparar as formas de criação, a pesquisadora lembra as várias funções na perspectiva agroecológica e destaca que no modelo convencional nem mesmo a segurança alimentar está garantida. 

“Quando a gente pensa isso tudo, então, pensar a criação agroecológica é partir dessas várias funções. Porque isso é que diferencia de uma criação convencional, que apenas pensa em um animal de alta produtividade para se tornar não um alimento, mas algo que vai ser vendido, que vai gerar renda”, compara.  

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Dessa forma, a criação de animais em sistemas agroflorestais precisa levar em conta o próprio aproveitamento sustentável do ambiente. Marilene destaca que o pensamento de comercialização está integrado a outros elementos, sem sobreposição. 

“Pensar a criação agroecológica significa pensar o ambiente que se está e as possibilidades que ele oferece em relação ao clima, à vegetação, inclusive ao espaço que se pensou dentro do ecossistema para aquela criação e pensar como aqueles animais podem se integrar às outras atividades produtivas no ambiente, e que, ao mesmo tempo, consiga responder às várias funções e finalidades que têm”, explica. 


A criação de espécies crioulas em agroecossistemas é favorecida por uma alimentação com insumos internos, da própria natureza / Asa Brasil

Reginaldo Lima é um agricultor experimentador. Ou seja, que busca e cria respostas para desenvolver uma atividade agroecológica na região em que vive. Ele mora na área rural do município de Caraúbas, no interior da Paraíba. 

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Reginaldo cria caprinos e ovinos e afirma que uma das vantagens na produção de animais em sistemas agroflorestais é o baixo custo. 

“A vantagem é que você vai ter um custo baixo de produção. Porque a própria vegetação nativa da caatinga vai produzir os alimentos. A caatinga é riquíssima em plantas que têm um alto teor de proteínas como a maniçoba, a catingueira, como a malva branca, a malva de carraça. Então tem uma diversidade de plantas dentro da própria vegetação que dá essa vantagem aos caprinos. Então uma vegetação diversificada faz com que a criação produza com uma boa qualidade, e os cabritos nasçam sem defeito nenhum, com saúde e bem desenvolvido”, defende.   

Ou seja, o exemplo de Reginaldo é de muitos agricultores e agricultoras que não precisam comprar ração industrializada, investir em vacinas, carrapaticidas nem outros insumos externos. Todas as respostas para a criação estão dentro do próprio agroecossistema.

Outro detalhe na criação de Reginaldo é a escolha por animais crioulos. Ou seja, que são adaptados ao ambiente pelas próprias famílias ao longo dos tempo. Ele cria raças landi e moxotó que são adaptadas ao clima semiárido. 


A criação de animais crioulos está na pauta política de organizações populares do campo / Foto: Hugo de Lima/Asacom

Por outro lado, muitas vezes, a agricultura familiar é incentivada a comprar animais exóticos, considerados como espécies de alta produtividade. Esses animais que são inseridos na perspectiva industrial exigem a inserção em uma cadeia de dependência financeira, a exemplo de remédios para a sobrevivência. 

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Marilene afirma que ainda há muitos desafios para a criação de animais em sistemas agroflorestais. Um deles é com a preservação e resgate de espécies crioulas, muitas vezes ameaçadas pela inserção de espécies exóticas. 

“Daí a importância de quem trabalha com agroecologia e pensa em desenvolver uma criação agroecológica de contribuir para o resgate dessas raças crioulas. E inclusive de pensar de como resgatar não só a própria raça, os próprios animais, mas os conhecimentos e práticas associadas a esses animais”, salienta.

Marilene lembra ainda que o Ministério da Agricultura reconhece poucas espécies crioulas de animais no Brasil. E destaca também a importância de maior conexão entre os saberes ancestrais da vida camponesa e os desenvolvimentos de pesquisas científicas na criação de animais em sistemas agroflorestais.

Edição: Douglas Matos

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