Em último perfil, Aritana Yawalapiti disse que estrada no Xingu seria “chegada do que não presta”

Por Alceu Luís Castilho
DE OLHO NOS RURALISTAS

Ele partiu. No momento em que o Brasil se aproxima da marca de 100 mil mortos por Covid-19, o cacique Aritana Yawalapiti morreu nesta quarta-feira (05) aos 71 anos, em Goiânia, por complicações respiratórias causadas pelo novo coronavírus. Líder no Alto Xingu desde os 19 anos, ele deu uma de suas últimas entrevistas — provavelmente foi o último perfil feito sobre ele — ao De Olho nos Ruralistas, no ano passado.

A repórter Clarissa Beretz esteve no Xingu e assinou o texto, publicado em março de 2019: “Líder histórico no Parque do Xingu rejeita ‘integração’ ao agronegócio proposta por Bolsonaro“.

Em relação ao plano do governo Bolsonaro, ele foi enfático:

— Não precisamos plantar soja. Temos a nossa roça, mandioca, milho, pesca, caça. O governo tem que respeitar o nosso modo de vida.

A soja avança, os bois avançam e também o novo coronavírus avança entre os povos indígenas. Conforme os dados reunidos pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), já são 148 etnias atingidas. Foram 22.325 casos de Covid-19 entre indígenas e 633 mortes.

Quando era jovem, Aritana ouviu de Cláudio Villas Bôas que caberia a ele cuidar do território. O Parque Nacional do Xingu acabara de ser criado. “Você é quem vai tomar conta dessa terra”, disse Cláudio, conforme o relato de Clarissa. “Quando o branco entrar aqui, ele vai vir com papéis e panos coloridos para convencer vocês. No dia em que você deixar, acabou o Xingu”.

Aritana disse à repórter que sua luta hoje não era mais de borduna. “É de papel, caneta e computador”, afirmou. Ele contou que deixaria essa parte para os mais jovens, como o filho Tapi, mestrando em Linguística na Universidade de Brasília (UNB). Tapi já se preparava para suceder o pai como o próximo cacique Yawalapiti.

‘TEM MAIS É QUE DAR MELHORIAS, TOMARAM TUDO O QUE TÍNHAMOS’

Aritana disse que sua luta não era mais de borduna, mas “de papel, caneta e computador”. (Foto: Renato Stockler)

Estes são os últimos parágrafos da reportagem de Clarissa Beretz:

Para o líder do Alto Xingu, o governo tem uma dívida histórica com os indígenas. “Tomaram tudo o que tínhamos, principalmente dos parentes de outras etnias: terra, madeira, riquezas minerais”, afirma. “Então, tem mais é que dar melhorias. E sem contrapartida. Queremos internet, televisão, dentista? Sim, precisamos! Mas que respeitem a nossa forma de vida”, finaliza Aritana, enquanto sai de sua oca, nu, para tomar mais um banho no rio Toatoari.

Sua maior arma é a paciência. Ele acredita que a principal função de um cacique é promover o diálogo e o entendimento. Assim, o menino que tomava arranhadura de dente de piranha na pele para aprender a lidar com a dor prepara-se para os desafios. Nos encontros em Brasília e reuniões com fazendeiros, mantém o tom amigável. Aritana dialoga com figuras das quais discorda, como Blairo Maggi, ex-governador do Mato Grosso e ex-ministro da Agricultura do governo Temer, um dos maiores produtores de soja do mundo.

Maggi conversou com Aritana sobre a construção de uma estrada na região para escoar a produção de soja e milho desde Querência e Canarana (MT), rumo aos portos de Miritituba e Santarém, no Pará. “O Blairo falou que irá trazer melhorias para o nosso povo, porque poderemos levar os nossos doentes mais rápido para o hospital”, comenta. Aritana não quer o suposto benefício. Disse que não quer, pois a estrada facilitará “a chegada do que não presta”.

Alceu Luís Castilho é diretor de redação do De Olho nos Ruralistas |

Foto principal (Renato Stockler): fotos de Aritana e de crianças no Alto Xingu

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