Por Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
No dia 20 de setembro de 2023, o relator do PL 1.459/2022, senador Fabiano Contarato (PT-ES), publicou seu relatório sobre o Pacote do Veneno, projeto que prevê uma mudança completa no marco legal sobre agrotóxicos no Brasil, tornando o registro de venenos mais fácil, e o banimento mais difícil.
Apesar do relatório apresentado apontar melhorias para o texto, a natureza da proposta permanece a mesma: uma lei feita para os interesses do agronegócio e suas multinacionais agroquímicas.
Nesse sentido, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida destaca 11 impasses que persistem no Pacote do Veneno.
Veja aqui os principais pontos:
1. Não há motivos técnico-científicos para revogar a atual Lei de Agrotóxicos: A Lei nº 7.802/1989 confere maior proteção ao direito ao meio ambiente equilibrado, saúde coletiva e está pautada no princípio da precaução no uso de agrotóxicos. Diante disso, os fundamentos de alteração do PL 1.459/2022 não se justificam. A modernização tecnológica não encontra obstáculos na Lei 7.802/89, não existindo argumentos razoáveis para as modificações trazidas no PL 1.459/2022. O Pacote do Veneno visa sim facilitar o registro de agrotóxicos em detrimento dos direitos coletivos e dos direitos fundamentais à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
2. Veneno agrícola deve ser chamado pelo nome: Agrotóxico! Mudança do termo “agrotóxico” para “pesticida” e “produtos de controle ambiental” não deve prevalecer, pois o conceito é utilizado na Lei nº 7.802/89, nas suas normas regulamentadoras e, sobretudo, está previsto textualmente na Constituição Federal de 1988 para a proteção da saúde e meio ambiente, motivo pelo qual deve ser mantido.
3. Não pode existir risco aceitável para doenças como o câncer: A vedação do registro, importação e produção de agrotóxico restringe-se aos “riscos inaceitáveis”, termo vago que pode permitir o registro de agrotóxicos sabidamente cancerígenos. Além disso, deveria ser utilizado um padrão de risco baseado no princípio da precaução e prevenção, assim como uma avaliação de análises e pesquisas científicas internacionais sobre os riscos à saúde e à natureza. Não podemos seguir aceitando que substâncias tóxicas banidas nos países do “Norte Global” sigam sendo comercializadas nos países do “Sul”.
4. Saúde e meio ambiente precisam manter o poder de veto: Mesmo com algumas melhorias trazidas pelo relatório do Senador Contarato, permanecem dúvidas quanto à lógica tripartite estabelecida pela Lei nº 7.802/89, que estabelece poder de veto ao Ibama e à Anvisa no registro de um agrotóxico. O PL permanece com lacunas no tocante à atuação dos órgãos de licenciamento, proteção ambiental e de vigilância em temáticas relacionadas à saúde.
5. Registro eterno de agrotóxicos: Permanece no Pacote do Veneno o registro eterno de agrotóxicos no Brasil, restringindo a reavaliação a ocorrência de avisos de órgãos internacionais, em claro retrocesso ambiental com relação ao Decreto 4074/2002, que permite que a reavaliação seja feita quando surgirem indícios de riscos.
6. Avaliações precisam de prazos adequados: O Pacote do Veneno delimita prazos rápidos para que os órgãos federais registrem os agrotóxicos. Isso pode comprometer a avaliação de toxicologia e ambiental.
7. Registro temporário é inaceitável: O texto original do Pacote do Veneno previa o registro temporário, que poderia permitir o uso de agrotóxicos sem a finalização dos devidos estudos. O relatório do Senador Contarato eliminou essa possibilidade.
8. Exportação de agrotóxicos proibidos é perigosa e imoral: O Pacote do Veneno abre a possibilidade da fabricação em solo nacional de agrotóxicos proibidos no Brasil, caso eles sejam voltados para exportação. Ainda que a fabricação esteja submetida à fiscalização, a fabricação de agrotóxicos proibidos é perigosa para quem trabalha na indústria, as comunidades no entorno, e quem está exposto ao longo do transporte destes produtos. E não menos importante: estes agrotóxicos serão direcionados a países com legislações ainda mais frágeis do que a nossa, acarretando no mesmo comércio de duplos padrões que denunciamos em relação à União Europeia.
9. Receituário de gaveta: O Pacote do Veneno prevê a emissão de receituário antes mesmo da ocorrência de uma praga. O objetivo parece ser “legalizar” a prática da compra de receitas ou receitas de gaveta que já são comuns hoje. Uma lei mais moderna deveria aumentar a fiscalização sobre os profissionais que emitem as receitas, muitas vezes em quantidades diárias incompatíveis com qualquer possibilidade de visita a campo nas propriedades.
10. Como fica a propaganda? Ao contrário da legislação atual, o Pacote do Veneno é omisso em relação à propaganda de agrotóxicos. O agronegócio insiste que agrotóxicos só são utilizados quando necessário, e que seriam equivalentes a remédios; neste caso, por que desregulamentar a propaganda, em vez de discipliná-la?
11. Estados e municípios com poder de legislar: A Constituição Federal e a Lei nº 7.802/89 permitem que estados e municípios tenham legislações complementares sobre agrotóxicos quando forem mais restritivas do que a lei federal. Este entendimento já foi inclusive firmado de forma unânime pelo STF, no caso da proibição da pulverização aérea no Ceará. Outros casos como a Zona Livre de Agrotóxicos em Florianópolis ou a limitação de cadastro de agrotóxicos às substâncias que não possuem autorização no país de origem (como foi previsto por quase quarenta anos na lei gaúcha de agrotóxicos) demonstram a necessidade de que estados e municípios possam criar legislações mais restritivas, a fim de proteger a saúde humana e a natureza. O Pacote do Veneno, no entanto, limita esse poder ao centralizar o cadastro de agrotóxicos em âmbito federal, desconsiderando uma longa trajetória de leis mais protetivas e o regime de competências previsto em âmbito constitucional.
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