Governo Bolsonaro liberou 32% de todos os agrotóxicos vendidos no Brasil

Em 2020, foram liberados 493 pesticidas, 4% mais do que em 2019, o recorde até então

Por Rafaela Lima, do Metrópoles

Seguindo os passos de 2019, até então os 365 dias mais tóxicos do Brasil, no último ano o governo federal continuou a aprovar com rapidez inúmeros agrotóxicos para serem vendidos no mercado brasileiro.

O começo de 2021 também tem sido movimentado. Até agora, mais 88 receberam aval para serem aplicados em plantações brasileiras. Publicados neste ano, mas aprovados em 2020, 57 entram no cálculo, fazendo com que o último ano supere o recorde de 2019, valor 4% maior. O resultado: no país, dos 3.064 pesticidas comercializados, entre produtos para agricultores e indústria, 998 – 32,5% – foram aprovados depois que Jair Bolsonaro (sem partido) assumiu o poder.

No total, a maior parte é de agrotóxicos químicos. Menos de 3% são biológicos, aqueles que podem ser utilizados em lavouras comerciais e na produção de alimentos orgânicos, por exemplo. Todos, no entanto, entram na conta, já que pela legislação brasileira, tanto esses produtos quanto os químicos são considerados agrotóxicos.

O levantamento é do (M)Dados, núcleo de jornalismo de dados do Metrópoles, com base nas publicações no Diário Oficial da União e dos balanços da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Para efeito de comparação, o número somado dos dois primeiros anos de governo Bolsonaro é 189,8% maior que os registrados nos dois primeiros anos do primeiro governo de Dilma Rousseff (PT) e 6,7% em relação aos dois anos completos do governo Temer (MDB). Quando comparado ao governo Lula, a diferença é ainda maior: 652% em relação ao primeiro mandato, e 131,5%, ao segundo.

“Esse movimento não nos pegou de surpresa. Desde o início, Bolsonaro já acenava para os setores mais atrasados do agronegócio. As liberações defendidas pelo governo como produtos novos são velhos conhecidos dos brasileiros e já estavam há muito tempo nas filas. Em outros países, essas substâncias sofrem restrições e, no Brasil, seguem sendo usados de forma descontrolada”, criticou Alan Tygel, membro da coordenação da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida.

“É extremamente urgente e necessário, além de ser viável, mudar o modelo do agronegócio no país. Essa forma de plantar caminha para o precipício”, continuou.

Para o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), os defensivos agrícolas são essenciais para a produção de alimentos no país. “O uso dos defensivos agrícolas, que são testados e seguros, ajuda a manter os alimentos a preços acessíveis aos consumidores, contribuindo para a segurança alimentar do país e a qualidade dos produtos agrícolas exportados”, disse, em nota.

“Os produtos recentemente liberados aguardavam registro há anos. Contudo, é preciso lembrar que ainda assim o processo de aprovação e concessão de registro de novos produtos continua sendo demorado no Brasil. Historicamente, o processo tem levado ao redor de 8 anos, o que faz com que um produto inovador à época da solicitação do registro chegue ao mercado com tecnologia defasada em relação a outros países, por exemplo.”

Procurado, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento respondeu que uma das grandes causas do aumento de registros totais é o aumento nas solicitações e aprovações de produtos de baixo impacto. “Em 2020, um terço (95 registros) dos produtos formulados registrados utilizam ativos biológicos, microbiológicos, extratos de plantas e outros ingredientes ativos sustentáveis. Esse número é mais que o dobro daquele registrado em 2019 e chega a ser 20 vezes maior do que há dez anos atrás. Uma demonstração de que o mercado de defensivos sustentáveis, incluindo alguns são aprovados para agricultura orgânica, vêm crescendo e mostra uma tendência de aumento na adoção de biotecnologias sustentáveis no controle de pragas”.

Registro e classificação toxicológica

Para um agrotóxico receber o aval de uso no Brasil, é preciso passar por três órgãos reguladores: a Anvisa avalia os riscos à saúde da população; o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) analisa os perigos ambientais; e o Ministério da Agricultura atesta se ele é eficaz para a produção agrícola. Este último é quem formaliza o registro, caso o produto seja aprovado por todos os outros órgãos.

Em 2020, pelo menos 204 substâncias permitidas estão classificadas de muito a altamente perigosas ao meio ambiente. Para a Anvisa, menos de 10 foram considerados como extremamente ou altamente tóxico para humanos. O baixo número, no entanto, tem explicação. Em julho de 2019, uma alteração no Marco Regulatório da Anvisa decidiu que só receberão a classificação de toxicidade máxima os agrotóxicos que causarem morte horas depois do indivíduo tocar no produto ou o ingerir. Para comparação, em 2019, o número foi de 156.

Pandemia

O processo de avaliação dos produtos não foi interrompido durante a pandemia do Covid-19. A última leva de liberações, por exemplo, aconteceu na última quinta-feira (14/1), com 32 agrotóxicos.

De acordo com a Medida Provisória 926 e o Decreto 10.282, de 20 de março, a prevenção, controle e erradicação de pragas e doenças, bem como as atividades de suporte e disponibilização dos insumos necessários à cadeia produtiva, que incluem os defensivos agrícolas, são consideradas atividades essenciais durante a pandemia e não devem ser interrompidas.

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