“Mais contaminação e morte”, prevê especialista após paraquate ser liberado até 2021

Por Cristiane Sampaio
Do Brasil de Fato

Após a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de liberar, nesta quarta-feira (7), a utilização de estoques do agrotóxico paraquate no país, pesquisadores e especialistas que acompanham o debate sobre pesticidas se mostraram preocupados com a medida. Considerada altamente tóxica ao sistema neurológico, a substância é uma das mais nocivas à saúde humana, sendo associada, em diferentes estudos científicos, ao mal de Parkinson e a mutações genéticas.   

“A gente considera que cada dia a mais em que o paraquate estiver em uso são mais contaminações, mais mortes, mais possibilidades de sequelas permanentes pras pessoas que estão expostas a essas substâncias. O paraquate tem muitos problemas. Ele tem uma toxicidade aguda muito elevada. Uma pequena dose dele já pode matar, inclusive, por isso ele é muito utilizado em processos de suicídio”, exemplifica o pesquisador e engenheiro Alan Tygel, da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida.

Juntamente com o glifosato, o herbicida foi responsável pela morte de 214 pessoas no Brasil na última década, segundo um levantamento feito pelo portal Repórter Brasil em parceria com a Agência Pública. Desse total, 92% dos casos foram de suicídio. As duas substâncias também provocaram, entre 2010 e 2019, cinco atendimentos por semana nas emergências do país.

São substâncias tóxicas demais pra serem usadas e que não são tão essenciais quanto eles propagandeiam. 

O banimento formal do paraquate no Brasil teve início em 2017 e a venda do agrotóxico estava vetada desde o último dia 22, mas a decisão desta quarta reverte parcialmente a previsão de abandono do uso do produto. A novidade veio após interpelações de ruralistas e do Ministério da Agricultura (Mapa) e é voltada para produtores que já tenham comprado o veneno para utilização na safra 2020/2021, que terá início dentro de alguns dias.

Na prática, por conta de regras anteriormente definidas pela agência, o paraquate não pode mais ser produzido, importado ou vendido, mas poderá ser consumido até 31 de agosto de 2021, segundo a decisão da direção da Anvisa. A utilização depende do tipo de cultura e valerá para soja, algodão, feijão, milho, café, trigo, cana-de-açúcar, batata, maçã e citrus. O uso da substância é costumeiramente associado à secagem de plantas para uniformizar a lavoura, preparando a plantação para a colheita.  

Outros países

No mundo, o paraquate é visto com ressalvas. A União Europeia, por exemplo, baniu o uso do veneno em 2003. Ruralistas brasileiros que defendem o uso do pesticida afirmam que ele é liberado em alguns países do mundo, como Austrália, Nova Zelândia e Estados Unidos, que exigem equipamentos de proteção individual (EPIs) para evitar danos a quem manuseia a fórmula.

Grandes produtores rurais costumam argumentar que esse tipo de aparato garante a segurança necessária. Apesar disso, os representantes do setor nunca apresentaram estudos que contraponham a decisão de banimento do paraquate tomada pela Anvisa em 2017.  

“É um discurso corrente da indústria sugerir que a culpa é do agricultor [em casos de contaminação] quando, na verdade, são simplesmente substâncias tóxicas demais pra serem usadas e que não são tão essenciais quanto eles propagandeiam”, afirma Alan Tygel.  

O engenheiro pontua que, no Brasil, o discurso de segurança para o uso de agrotóxicos seria um “mito” por conta da fragilidade dos mecanismos de fiscalização e controle. Falta efetivo no Ministério da Agricultura e nos conselhos de engenharia para vistoriar o funcionamento da cadeia de utilização de pesticidas. “Não existe nenhum controle sobre as pessoas que manipulam, ao contrário de outros países onde você tem uma formação, como uma carteira de motorista, pra alguém manipular os agrotóxicos de forma preparada”.  

A partir de julho de 2021, o Mapa deverá invalidar os registros de substâncias à base de paraquate e monitorar o cumprimento da decisão de proibição do produto a partir de agosto. Os estados serão responsáveis pela fiscalização na zona rural.

Representantes do agronegócio tentam, paralelamente, cancelar a decisão da Anvisa de banimento do veneno. A via utilizada pelo grupo tem sido o Congresso Nacional, por meio de um projeto de decreto legislativo que ainda não tem data para apreciação.

Edição: Rodrigo Chagas

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