Por Lu Sudré
Do Brasil de Fato
Apesar da grave crise de saúde pública que atinge o país, o governo Bolsonaro continua aprovando a utilização e comercialização de novos agrotóxicos. Nesta terça-feira (12), por exemplo, o Ministério da Agricultura liberou mais 22 substâncias. Agora, no total, são 150 novas autorizações apenas neste ano.
Na lista mais recente, constam agrotóxicos proibidos na União Europeia, como o clorotalonil, o glufosinato e a ametrina. Um dos destaques da liberação feita pelo governo é o agrotóxico Dicamba, nome comercial de um herbicida da Basf que tem como princípio ativo o glufosinato de amônio. O produto é concorrente do glifosato, conhecido mundialmente como Roundup e comercializado pela Monsanto.
:: Liberação de agrotóxicos no governo Bolsonaro é a maior dos últimos 14 anos ::
Alan Tygel, da Campanha Contra os Agrotóxicos e pela Vida, denuncia que desde 2016 os setores do agronegócio tem atuado para flexibilizar e relaxar cada vez mais a fiscalização sobre os produtos, com atuação interna até mesmo no Ministério da Saúde.
O ativista destaca que o processo se acentuou com Bolsonaro. Apenas em 2019, primeiro ano do governo, foram 474 novas substâncias autorizadas – o maior número da série histórica.
Tygel lamenta que, mesmo durante a quarentena, a população esteja ainda mais exposta aos graves impactos à saúde e ao meio ambiente causados pelos agrotóxicos.
“A pandemia não foi capaz de reduzir o ritmo de liberações do governo. Provavelmente vamos ter um número parecido ou superior com o do ano passado. Além dos registros efetuados, o governo vem publicando a fila de registros, aqueles que estão esperando. E essa fila só aumenta a cada dia”, afirma Tygel.
O processo de autorização se manteve porque o governo considerou como atividades essenciais a prevenção, o controle e a erradicação de pragas, assim como as atividades de suporte e disponibilização dos defensivos agrícolas. A determinação foi estabelecida pela Medida Provisória 926 e pelo Decreto 10.282, ambas de 20 de março deste ano.
Conforme monitoramento da Repórter Brasil, apenas durante a quarentena, iniciada em março deste ano, foram publicados registros de 96 novos produtos, sendo 62 destinados para agricultores e 34 para a indústria. Ou seja, mesmo enquanto milhares de brasileiros adoeciam e se tornaram vítimas fatais da covid-19, os venenos continuaram a ser liberados.
Tygel avalia que, com as flexibilizações, a perspectiva para o resto do ano é negativa. “Estamos no mês de maio com 150 liberações. Podemos estimar que, se continuar na mesma, velocidade, vamos chegar perto dos 400. Ano passado foram 474 e é possível que chegaremos perto dessa marca ou a ultrapassemos. Infelizmente não há sinal de que essa velocidade de registros vá diminuir”, critica.
Danos à saúde
Neste contexto de estímulo à produção e à comercialização de agrotóxicos, os danos para os brasileiros são os mais graves possíveis. O contato direto com venenos agrícolas foi apontado como razão da morte de 700 pessoas por ano na última década, segundo informações do DataSUS.
De 2008 a 2017, por exemplo, a soma de óbitos devido aos efeitos tóxicos, envenenamento por agrotóxico ou exposição ambiental, autointoxicação intencional, entre outros fatores, chegou a 7.267. Mais de 70% das mortes foram registradas nas regiões Nordeste e Sudeste do Brasil.
Os dados mostram como a cadeia de contaminação pelos venenos é extensa. Vai desde as primeiras etapas da produção, passando pelo transporte e chegam ao consumo por meio dos alimentos contaminados que na mesa da população.
Entre os registros desta terça (12), também está o 2,4-D, um herbicida considerado perigosíssimo que vem sendo usado cada vez mais por conta da resistência que certas plantas vêm apresentando ao glifosato. De acordo com a Campanha Contra os Agrotóxicos, há muitos registros de plantações danificadas devido ao uso da substância no Rio Grande do Sul.
Velhos conhecidos
É válido destacar ainda que fórmulas com o RoundUp, nome comercial do glifosato produzido pela Bayer, um dos venenos mais nocivos ao meio ambiente e aos seres humanos, foram autorizadas novamente. A substância foi considerada “provavelmente cancerígena” pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2015.
Em agosto de 2018, o ex-jardineiro Dewayne Johnson ganhou um processo contra a Monsanto em San Francisco, nos Estados Unidos, por ter desenvolvido um tipo de câncer devido ao uso contínuo da substância..
A empresa, que já havia iniciado processo de venda para a Bayer, também perdeu outras duas vezes na Justiça após processos de um aposentado e de um casal que também desenvolveram câncer devido ao uso do veneno. Desde então, o número de processos contra a agroquímica só cresce e já são 18,4 mil somente nos EUA.
:: Monsanto é condenada a pagar US$ 289 milhões por câncer em jardineiro nos EUA ::
Enquanto o Brasil aprova agrotóxicos em ritmo acelerado, mesmo a Alemanha, país de origem da Bayer, anunciou em setembro do ano passado que pretende proibir o uso do componente a partir do fim de 2023.
Tygel endossa ainda que o argumento do governo brasileiro de que aprovação dos agrotóxicos visa permitir permitir a utilização de agrotóxicos menos tóxicos não corresponde à realidade, já que os biodefensivos, com potencial menor de danos à saúde, representam uma porcentagem muito pequena das aprovações.
“O que vemos são os mesmos ingredientes ativos desde anos 70 e 80 ganhando novos registros, novas formulações, novas formas de aplicação, e isso é muito preocupante. Estão aumentando a disponibilidade desses produtos no mercado e incentivando ainda mais seu uso”.
Edição: Vivian Fernandes