Na contramão do Pacote do Veneno, PNaRA avança na Câmara

Audiência pública na Comissão Especial da PNaRA reuniu especialistas de universidades, movimentos sociais e da FAO; objetivo é reduzir os agrotóxicos e incentivar a transição para agroecologia

por Nadine do Nascimento

“Alimento não é mercadoria. Não se trata de ver a rentabilidade ou quem lucra mais. Alimento está relacionado à saúde da população, então, se sobrepõe às oportunidades de negócios”, disse o professor da Unicamp Walter Belik, abrindo as falas da audiência da Comissão Especial da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA). O debate realizado nesta quarta-feira (11), em Brasília, reuniu especialistas para debater os impactos do uso de agrotóxicos no Brasil.

Com o tema “O modelo agrícola dominante: virtudes produtivistas versus custos fiscais e socioambientais”, a mesa debateu como o Programa pode ser uma saída para o atual modelo de produção agrícola, pois propõe a implantação de uma política que contribua para a redução progressiva do uso de agrotóxicos na agricultura, pecuária e nas práticas de manejo dos recursos naturais. Além disso, a ampliação da oferta de insumos de origens biológicas e naturais, contribuindo para a promoção da saúde e sustentabilidade ambiental, com a produção de alimentos saudáveis.

A audiência pública, além de Belik, contou com a participação de Valter Bianchini, da FAO; Irene Cardoso, da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA); Bárbara Loureiro, da Via Campesina, Generosa Silva, da União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafes); e Gerd Spavorek, da Esalq/USP.

A PNaRA, que vem na contramão do Pacote do Veneno – aprovado pela Comissão Especial da Câmara no último dia 25 – propõe ainda que os órgãos públicos federais de saúde, agricultura, trabalho, indústria e comércio e meio ambiente realizem ações integradas para a fiscalização da importação, da produção, da comercialização e do uso dos agrotóxicos. Essa integração poderá ser replicada para os entes federados, estaduais e municipais, seguindo o processo adotado no plano federal.

“Não estamos falando de uma substituição da agricultura tradicional por uma agricultura agroecológica. As duas vão coexistir por algum tempo. Aqui não se fala de eliminação dos agrotóxicos, mas de diminuição, adequação…”, afirmou Bianchini.

Belik, neste sentido, lembra dos reflexos socioambientais do modelo atual de produção e a urgência de sua substituição progressiva. “[O agronegócio] é um modelo que altera as relações de trabalho, diminui a mão-de-obra, usa capital fixo, baseia-se no aumento de produtividade e agrega menor valor por unidade de produto. Isso torna o alimento um produto industrial, produzido em massa, com um valor muito pequeno, sem qualidade. E não leva em conta os impactos humanos e ambientais na produção”, disse.

Já em sua fala, Cardoso lembrou da Revolução Verde, da década de 1960, que implantou o atual modelo de produção com a intenção de “aumentar a produtividade para acabar com a fome”, mas não alcançou seu objetivo até hoje. “Como podem existir famintos se já produzimos o suficiente para alimentar de 10 a 12 bilhões de pessoas, segundo a revista Nature? O problema é que grande parte dessa comida é destinada à alimentação animal, à produção de biocombustível ou é perdida”, aponta. Segundo a mesma pesquisa, cerca de 40% a 60% de todo alimento produzido é perdido, desde a produção até chegar às mesas.

Cardoso, então propõe a agroecologia como um caminho.“Quando a gente fala de agroecologia, a gente fala de mudar o sistema. Não podemos só falar de produção. A gente está falando do sistema agroalimentar, então, a gente tem que repensar todos nossos hábitos alimentares, toda nossa comercialização e todo beneficiamento dos produtos, que hoje só beneficiam as empresas”, finaliza.

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