Por Patrícia Ribeiro – Articulação do Semi-árido – ASA
A agricultora Rosália Barbosa de Souza, de 23 anos, morreu no último dia 18 de julho, vítima da doença Aplasia Medular, adquirida após trabalhar por anos no cultivo de tomate em lavouras na região de Cubati, no estado da Paraíba. Grávida, ela manteve contato direto com agrotóxicos e foi vítima de Aplasia Medular, uma doença autoimune que resulta numa anemia profunda comprometendo todos os tipos de células do sangue. O bebê foi salvo por médicos que a acompanhavam no Instituto Materno Infantil (IMIP), no Recife (PE), após indução de parto prematuro.
O pai da agricultora, o senhor Damião Barbosa de Souza, conta que ela apresentou manchas na pele e sangramento na gengiva quando estava grávida do seu terceiro filho. “Ela trabalhou na plantação de tomate e ainda chegou a apanhar tomate. O marido dela também trabalha. Era ela que lavava a roupa dele quando ele chegava. Tudo isso é contato, né? Quando ela ia lavar roupa, chegava a sair aquela água diferente do veneno. Devido ela estar amamentando também, e depois ter engravidado, a imunidade estava baixa, aí ficou mais fácil pra doença”, relatou.
Após seis meses de gravidez, com o estado de saúde agravado, Rosália foi transferida para o IMIP, onde ficou internada e foi submetida a exames. No laudo médico consta como causa da morte Hemorragia pulmonar e aplasia de medula óssea. “O momento da gravidez é um momento delicado quando o corpo da mulher engendra um enorme esforço para gerar e nutrir um novo ser. A medula óssea é demandada a produzir mais sangue, tanto que é muito comum que as mulheres apresentem anemia leve neste momento. Passa a ser um momento então que a medula estaria mais vulnerável a agressões externas o que poderia ter contribuído para a doença. Por outro lado, os agrotóxicos podem gerar más-formações e até morte do feto”, contou a professora do curso de medicina da Universidade Federal de Campina Grande em Cajazeiras (UFCG/PB), Ana Carolina de Souza Peiretti.
Ainda segundo a docente, a doença faz com que as defesas do corpo passem a atacar as células da medula óssea onde o sangue é produzido. Além do uso de agrotóxicos, medicamentos, radiação, vírus, drogas e agentes químicos também podem causar a toxidade medular. O companheiro de Rosália, o agricultor Marizaldo Pereira Alves, conta que apesar do nascimento prematuro e das adversidades da gestação, a criança está bem e não apresenta nenhuma complicação.
Iniciativas de enfrentamento
Desde abril de 2011, quando foi lançada a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, movimentos sociais, grupos ambientais e demais organizações tem desenvolvido inúmeras ações de conscientização, enfrentamento e denúncia contra 07 empresas multinacionais, que controlam mais de 70% do mercado de agrotóxicos no Brasil (Monsanto, Syngenta, Bayer, Novartis, Dupont, Basf e Dow), as quais estão diretamente ligadas ao grupo da bancada ruralista no senado.
Embora as ações se depararem com a omissão, negligência e mesmo a conivência do Estado, os movimentos sociais ainda enfrentam o silêncio das grandes mídias sobre questões relacionadas ao problema do uso intensivo e indiscriminado dos defensivos químicos. O Brasil atualmente é o campeão mundial no uso de agrotóxicos. Por ano, cada brasileiro consome cerca de 5 litros de agrotóxicos. Em consequência desse consumo absurdo de veneno, milhões de pessoas adquirem câncer e morrem anualmente, sem nenhum tipo de repercussão no noticiário da grande mídia.
Além disso, na maioria dos casos de morte em consequência dessas doenças, mesmo com a comprovação de exames clínicos, profissionais de saúde se negam a atestar nos laudos médicos a causa da morte como consequência do uso de agrotóxicos. Recentemente a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO) lançou o dossiê “Um alerta sobre os impactos dos Agrotóxicos na Saúde”, o qual confirma através de evidências científicas diversas doenças resultantes da exposição, contato, uso e consumo de componentes químicos encontrados em diversos grupos de agrotóxicos consumidos no país.
Avanço do agronegócio na região semiárida da Paraíba
A comunidade rural Prainha, do município de Cubati, localizado a 66,5 km de João Pessoa (PB), ainda é caracterizada pela resistência da agricultura familiar. Pequenas propriedades rurais tentam sobreviver em meio à falta de incentivos dos poderes públicos, o que na maioria das vezes força os agricultores e agricultoras a se submeterem as pressões do agronegócio.
Trabalho informal, baixa remuneração e falta de segurança são algumas das dificuldades enfrentadas. Os agricultores e agricultoras trabalham semanalmente, ou de acordo com o período da produção nas plantações de tomate e na mineração. Embora sejam proprietários de terra, ainda assim, são obrigados (pela necessidade financeira) a arrendar suas propriedades para a monocultura à base de agrotóxicos.
Para além do caso de Rosália Barbosa de Souza, que veio a óbito por ter mantido contato permanente com os agrotóxicos enquanto trabalhava na produção de tomate, o descaso do poder público sobre as questões dos direitos trabalhistas vem ocorrendo com frequência em todo o estado. É recorrente os casos de irregularidades jurídicas, exploração, trabalho infantil, acidentes, falta de equipamento de proteção e negligência dos direitos trabalhistas.
Nos casos de arrendamentos de terras, além dos riscos à saúde da terra e das pessoas que permanecem residindo próximas aos plantios, a contratação é feita sem nenhuma segurança, não existe nenhum tipo de documentação ou registro do contrato. Do plantio à colheita, a família fica impedida de, até mesmo, entrar na área cultivada. Ao fim da colheita, após quatro meses, o proprietário da terra recebe a quantia de R$ 1.000,00 (um mil reais) por cada hectare arrendado.
O período de colheita dos tomates envolve toda a comunidade no trabalho. Homens, mulheres, adultos, jovens e crianças são levadas às plantações e recebem, ao fim do dia, cerca de R$ 25,00 pela diária de trabalho. A mãe da jovem Rosália Barbosa, dona Maria de Sueli Lima Souza, comenta revoltada que mesmo após a morte de Rosália, um de seus filhos continua insistentemente trabalhando nas plantações de tomate. “Eu estou com um menino com o mesmo problema, trabalhando dentro da tomate. Eu já pedi, o pai já pediu pra ele sair, porque eles trabalham sem proteção nenhuma, mas ele não quer atender a gente. Diz que é o ganho que tem, que não pode sair”, revelou.
De acordo com a professora de medicina da UFCG em Cajazeiras/PB, Ana Carolina de Souza Pieretti, aparentemente, este não tem sido um tema de preocupação do Conselho Federal de Medicina. “O órgão que mais tem tomado à frente nestas discussões tem sido a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), mas ainda apresenta dificuldade em refrear o uso de agrotóxicos pelo grande poder econômico, tanto das empresas produtoras quando do agronegócio”, disse. Na opinião da docente deve haver mais estudos e uma regulamentação mais forte, além da discussão na sociedade de que modelo de produção agrícola é bom para a saúde das pessoas.
Movimentos e organizações sociais ligadas à agricultura familiar camponesa lutam contra o avanço do modelo de desenvolvimento do agronegócio na região semiárida do país. No entanto, a luta ainda é bastante desigual, e se torna inviável garantir o enfrentamento apenas com ações de acompanhamento e assistência técnica às famílias agricultoras. É o que aponta a representante da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA Brasil), Maria da Glória Batista. “Temos trabalhado com a disseminação de iniciativas, dos cultivos, da criação de animais integrada e valorizando a biodiversidade local no desenvolvimento do semiárido com base na agroecologia, a exemplo do resgate das sementes nativas, dos animais nativos e adaptados, da recuperação, conservação e manejo da biodiversidade local”.
Dessa forma, as manifestações populares tem se tornado um instrumento de enfrentamento com capacidade de chamar a atenção dos poderes públicos e da sociedade, sobre os principais problemas enfrentados no campo. Nesse sentido, as organizações e movimentos sociais cumprem com o papel significativo no processo de articulação e conscientização política. Maria da Glória, acrescenta, ainda, que do ponto de vista político, vem sendo feito um trabalho junto às organizações, com a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, e demais campanhas contra qualquer iniciativa voltada para o agronegócio. “Um desafio que surge para todas as organizações desse campo, não só para a ASA, é articular, buscar diálogos e convergências junto às organizações para o enfrentamento ao agronegócio de forma coletiva”, concluiu.
ASA/EcoAgência