Produtor familiar de arroz e feijão recebeu apenas 2,5% de recursos do Pronaf. Soja recebeu 26%

Por Caroline Oliveira
Do Brasil de Fato

Bovinocultura e soja foram as atividades mais financiadas pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) em 2020, somando 59,9% dos recursos, seguidos pela produção de milho (14,4%). Enquanto isso, para a produção de arroz e feijão foram destinados apenas 2,53% dos recursos do Pronaf Custeio Geral. 

Os dados são do estudo Análise do Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar, elaborado pelo Instituto Tricontinental de Pesquisa Social em parceria com o Núcleo de Estudos em Cooperação (NECOOP), da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), lançado nesta sexta-feira (17). 

Segundo os pesquisadores, os números mostram que os recursos do programa estão sendo utilizados para financiar a produção de commodities do agronegócio exportador, em detrimento do abastecimento do mercado interno com itens alimentícios básicos.  

Isso significa que “o percentual irrisório de recursos voltados a produtos básicos da alimentação do brasileiro impacta diretamente na cesta alimentar e expõe à especulação do agronegócio (que prioriza lucros e exportação) ao invés de assegurar a segurança e a soberania alimentar do país”, destaca o documento.   

Hoje o Brasil já é o quarto maior produtor de grãos do mundo, atrás somente da China, dos Estados Unidos e da Índia, e o segundo maior exportador dos produtos, sendo responsável por 19% do mercado internacional, segundo um estudo divulgado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada ao Ministério da Agricultura, ainda em junho de 2021. Com a exportação de uma grande quantidade de alimentos, como a soja, há o desabastecimento do mercado doméstico, o que também força o aumento no preço. 

Em um ano, o “prato feito” subiu praticamente o triplo da inflação, segundo um levantamento feito por Matheus Peçanha, pesquisador e economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV IBRE): 22,57% no acumulado de 12 meses diante de 8,75% do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) no mesmo período. Nesta conta, entre os que tiveram uma alta no preço, estão arroz (37,5%), tomate (37,24%), carne bovina (32,69%), frango inteiro (22,73%), feijão preto (18,46%), ovos (13,5%) e alface (9,74%). 

Agricultura familiar desassistida  

O estudo também mostrou que cerca de 60% dos agricultores familiares não tiveram acesso ao crédito rural em 2020. “O número de estabelecimentos camponeses que tiveram acesso ao Pronaf chega a níveis mínimos”: apenas 7,87%, “demonstrando a pouca expressividade do programa para fomentar a produção e produtividade agrícolas nesse segmento”.  

Lembrando que o Pronaf foi instituído justamente com o objetivo de oferecer políticas públicas para sustentar e promover a agricultura familiar no país. 

Mesmo com poucos recursos, dados de 2017 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os mais recentes, mostram que a agricultura camponesa representa 77% dos estabelecimentos, mais de 10 milhões de empregos rurais (67% do total) e foi responsável por R$ 131,7 bilhões (23%) dos R$ 572,99 bilhões do Valor Bruto da Produção (VBP) naquele ano. 

Distribuição geográfica desigual 

A análise mostra que a desigualdade em relação ao programa de crédito também se dá geograficamente. Por exemplo, apesar de concentrar a maior parcela dos camponeses brasileiros (50,27%), a região Nordeste recebe somente 14% dos recursos. Paralelamente, a região Sul recebeu 57,4% dos recursos do Pronaf em 2020, mas só tem 18,20% dos estabelecimentos da agricultura familiar. 

Segundo o documento, “essa disparidade pode ter por base a diversidade de condições naturais e sociais e as estratégias dos agricultores frente às dificuldades de sobrevivência sob as relações capitalistas de produção. Ocorre que o crédito rural também exerce influência sobre essa situação e ainda, nas condições em que tem sido ofertado, tende a aprofundar as desigualdades existentes”. 

Clique aqui para acessar a pesquisa na íntegra.

Edição: Anelize Moreira

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