Por Roberta Quintino l Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
Um pacote de retrocessos ambientais está em andamento no Mato Grosso, um dos estados brasileiros mais afetados pelo avanço do agronegócio e da exposição aos agrotóxicos, impondo um ambiente de desequilíbrio ecológico e social. O mais recente ataque à biodiversidade e a saúde da população no estado é o Projeto de Lei 1.833/2023, atualmente em tramitação na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT), que reduz drasticamente a distância mínima para aplicação de agrotóxicos em áreas próximas a povoados, mananciais e áreas habitadas e altera o nome de agrotóxicos para defensivos agrícolas, contrariando a própria lei federal.
A proposta, de autoria do deputado Gilberto Cattani (PL), foi aprovada sem nenhum voto contrário, refletindo o crescente predomínio da bancada ruralista no estado e desconsiderando décadas de pesquisas científicas realizadas em Mato Grosso que apontam os graves impactos dos agrotóxicos para o meio ambiente e para a saúde humana.
O projeto estabelece para as grandes propriedades rurais, com mais de quinze módulos, a redução para aplicação de agrotóxicos de 300 para apenas 25 metros. No entanto, para as médias e pequenas propriedades rurais as aplicações por vias terrestres poderão ocorrer “independentemente de qualquer distância mínima de povoações, cidades, vilas, bairros, e mananciais de captação de água, moradia isolada agrupamento de animais e nascentes ainda que intermitentes”.
O deputado justifica que na hipótese de distância mínima de 300 metros, os produtores rurais seriam impedidos de promover o controle das pragas agrícolas em grande faixa de suas lavouras, o que poderia causar prejuízos à produção e à economia, pelo alastramento descontrolado das pragas agrícolas.
No entanto, a engenheira agrônoma e pesquisadora Fran Paula explica que o ideal seria aumentar a distância mínima, uma vez que a deriva do agrotóxico é potencialmente maior que 300 metros. Para ela, o que está sendo imposto na legislação potencializa a contaminação do solo, da água e da fauna no Pantanal, além de impactos devastadores sobre os territórios indígenas e comunidades tradicionais.
Ela questiona ainda sobre o compromisso dos governos com a proteção ambiental em um bioma já ameaçado pelo desmatamento e pelas queimadas e destaca que o governo do estado e a assembleia legislativa ao ignorar evidências científicas reforçam um comportamento negacionista, alinhado aos interesses do agronegócio e da indústria dos agrotóxicos, em detrimento da saúde humana.
Pesquisas realizadas pelo Instituto de Saúde Coletiva da UFMT monitoram a décadas a contaminação de agrotóxicos no estado, identificando resíduos dessas substâncias no ar, solo, rios, chuva e fontes de águas de comunidades rurais localizadas próximas a áreas de aplicação de agrotóxicos.
A professora e doutora em Saúde Coletiva e pesquisadora do Neast/UFMT, Márcia Montanari, ressalta que os agrotóxicos mais utilizados em Mato Grosso são o glifosato, 2,4-D, a atrazina e o acefato, “grupos químicos altamente perigosos para a saúde”, afirma. Ela explica que há estudos que já relacionam esses agrotóxicos a mutagêneses, podendo causar abortos, malformações fetais e alterações genéticas ligadas ao câncer. Além disso, eles estão associados a disfunções endócrinas, doenças neurológicas e psiquiátricas.
Montanari alerta que a redução da distância mínima para o uso de agrotóxicos em áreas próximas a fontes de água e populações significa, na prática, aumentar a exposição dessas pessoas ao risco de adoecimento. “Nós já temos um perfil de exposição bastante preocupante, que é a exposição dos trabalhadores em contato direto com os agrotóxicos. A gente está alertando e chamando a atenção das autoridades para que a gente não chegue a piorar os indicadores sanitários do estado de Mato Grosso, que já são graves”, frisa.
Em nota, o Fórum Mato-Grossense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, se manifestou contrário ao projeto de lei e afirmou que o perfil de adoecimento da população adulta mato-grossense apresenta aumento da incidência de casos de cânceres relacionados à exposição ambiental e ocupacional aos agrotóxicos, tais como câncer de pulmão, leucemias e linfomas.
“Entre as crianças, a exposição dos pais e morar próximo de lavouras aumenta o risco de cânceres de sistema nervoso central, leucemias e linfomas. É importante ressaltar o aumento dos casos de câncer infanto juvenil nas regiões de maior uso de agrotóxicos em MT. A incidência de malformação fetal e abortos nas regiões que mais utilizam agrotóxicos em MT está entre duas e quatro vezes maior que em outros estados e que a incidência nacional. Estudo nacional coordenado pela FIOCRUZ em 2024 demonstrou que Mato Grosso tem municípios agrícolas com maior risco de mortes fetais e anomalias em bebês”, aponta o Fórum.
Esse movimento de ampliação da exposição aos agrotóxicos se articula com outro projeto perverso, no qual o Governo do Mato Grosso sancionou, no dia 20 de setembro, lei estadual que libera atividades pecuárias e limpeza de pasto em Áreas de Preservação Permanente (APPs) na Bacia do Alto Paraguai, uma das regiões mais sensíveis do Pantanal mato-grossense.
O Pacote do Veneno Mato-grossense não para por aí. Além da flexibilização no uso de agrotóxicos e da liberação de áreas de APP para criação de gado, o estado segue em ritmo acelerado na intensificação do desmatamento com a queima de grandes extensões de floresta, como os 80 mil hectares desmatados ilegalmente por um fazendeiro, configurando um esquema para abrir mais espaço para atividades agrícolas.
Essa série de retrocessos ambientais ocorre em um momento em que, no cenário nacional, há esforços da sociedade civil e parte do governo em aprovar o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (PRONARA), que tem como objetivo diminuir os venenos, promovendo alternativas mais sustentáveis e saudáveis.
Para a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, o PL aponta uma contradição imensa, uma vez que, enquanto se discute, em nível federal, a adoção de políticas para reduzir os agrotóxicos e proteger o meio ambiente e a saúde da população, Mato Grosso caminha na direção oposta, abrindo a porteira para mais contaminação e degradação, ou seja, o pacote – veneno, desmatamento e fogo – que está sendo implementado em Mato Grosso, ameaça o equilíbrio ecológico e coloca o Brasil na contramão dos compromissos de combate às mudanças climáticas e proteção da biodiversidade.