“Temos que manter a conscientização, a rebeldia, a desobediência e a conspiração para enfrentar o agronegócio", declamou José Maria Tardim.
Por Iris Pacheco
Da Página do MST
“Você sabia que gente também é semente? E gente sendo semente precisa ser cultivada”. Foi com o tom de cultivar os valores do cuidado, da singeleza e da rebeldia que a 14° Jornada de Agroecologia no Paraná concluiu, neste sábado (25), um ciclo para iniciar outros tantos no coração de homens, mulheres e crianças ali presentes.
A jornada, que começou na quarta-feira (22), teve quatro dias de intensos debates, socializações de conhecimentos e cultivo dos saberes. Toda a beleza desses dias se reflete no ato de encerramento com a convocação do povo para assumir o compromisso de construir novas relações entre os homens e a Mãe Terra, de serem guardiães e guardiãs das sementes e da biodiversidade para a humanidade.
Confira na íntegra a Carta da Jornada que foi lançada durante o ato.
Pelo direito a não ser diariamente envenenado!!!
Matéria da Jornada de Agroecologia:
“Defender a agroecologia é defender novo modelo econômico e político”
Por Rafael Soriano
O economista membro da coordenação nacional do MST, João Pedro Stedile, esteve presente na primeira conferência da 14ª Jornada de Agroecologia, abordando o movimento do Capital na agricultura e suas consequências. Durante sua fala, Stedile avaliou que a defesa da agroecologia é, não apenas uma preocupação em salvar o meio ambiente, mas um embate econômico e político.
A necessidade de uma transição agroecológica, para o militante, advém das características nocivas do modelo do capital na agricultura, hoje conhecido como agronegócio. “É justamente nas contradições desse modelo que está nossa esperança em uma adesão crítica da sociedade como um todo para enfrentarmos a agricultura capitalista e estabelecermos novas bases de produção, fundadas na agroecologia”, sinalizou.
Entre as contradições, está a concentração de propriedade em pouco mais de cinqüenta grandes empresas multinacionais presentes na agricultura e, por isso, um grande contingente de populações afastado das riquezas ali produzidas. Por estarem nas mãos dessas empresas, as riquezas geradas nas localidades são expatriadas, não permanecem na própria região onde se produz.
“Vemos o exemplo de Irati, onde acontece a 14ª Jornada de Agroecologia, em que a produção de fumo vê a riqueza aqui gerada na região sendo levada para Londres pela Souza Cruz e aumentando a acumulação de capitais dos acionistas de lá”, relata Stedile.
Além dessas características econômicas, há sérias disfunções no meio ambiente causadas pelo modelo atual, como a contaminação por venenos e a destruição da biodiversidade.
“O caso de São Paulo é emblemático: não falta água nas torneiras da cidade por falta de chuva. Chove e alaga. O problema é causado pelo predomínio dos monocultivos do eucalipto e da cana-de-açúcar no entorno do sistema hidrográfico de Cantareira, que altera todo o ecossistema local”, alerta João Pedro Stedile. “Os venenos contaminam o ar, a água e até o leite materno, o que tem aumentado o número de casos de câncer em 500 mil por ano”, arremata.
Em sua intervenção, Stedile enumerou as principais características do capitalismo na agricultura, em tempos de domínio do capital financeiro: além da já citada concentração em pouco mais de cinquenta multinacionais, estão a transformação da agricultura num grande mercado mundial (produz-se alho na China para comer no Brasil, por exemplo), a redivisão do trabalho mundial agrícola (sob o comando daquelas mesmas cinqüenta empresas), a uniformização dos preços e a padronização dos alimentos.
“Sob o risco de efeitos incontroláveis na saúde das pessoas, a alimentação que no século passado estava baseada em mais de 300 tipos de vegetais, hoje está reduzida a apenas cinco: sorgo, trigo, milho, arroz e soja”, adverte o economista. Outra grande mudança é a forma de produção nas unidades produtivas que, tendo o lucro como norteador, está aprisionada a forma de cultivo em larga escala e sob uma matriz tecnológica específica.
A matriz introduzida pela chamada “revolução verde”, é baseada nos venenos, que eliminam a diversidade da natureza em nome dos monocultivos, das sementes transgênicas (que aprisionam o agricultor à empresa produtora de sementes e venenos específicos para cada semente) e da mecanização, fundando uma agricultura sem agricultores.
Por fim, surge uma nova classe no campo, formada por uma mescla de indivíduos capitalistas e capitais dos diferentes ramos da economia, como, inclusive, a grande mídia (observe-se que a Rede Globo é parte da Confederação Nacional da Agricultura – CNA – maior entidade do agronegócio no país). No Brasil nos últimos anos, 4 milhões de assalariados rurais migraram para favelas, “substituídos nas lavouras por venenos, transgênicos e máquinas”.
“Tudo isso dificulta nossa luta, mas a esperança militante se mantém acesa. Pois vemos do nosso lado o Papa, que publicou uma encíclica dedicada à defesa explícita da ecologia, temos a própria Natureza, que é contra as agressões e, mais recentemente o conjunto da população urbana”, analisa Stedile. “A agroecologia não é uma luta dos agricultores, mas da Humanidade”, conclui.
A Batalha de dois modelos agrícolas mst.org.br O agronegócio: a produção de monoculturas em grande escala, baseado na tecnologia e produtos químicos.
por JACY AFONSO, Secretário de Relações internacionais da Central Única dos Trabalhadores
Não bastassem as contaminações por efluentes gasosos de todos os tipos, poluentes persistentes impostos por processos industriais, pelo escapamento de veículos, pelo desmatamento e demais fontes poluidoras, os agrotóxicos se somam ao peso no prato de cada dia do trabalhador e da trabalhadora.
No Brasil, os números impressionam. Dados da Anvisa do ano de 2013 apontam que 64% dos alimentos estão contaminados por agrotóxicos. Entre 2007 e 2014, as intoxicações por esses venenos, notificadas e registradas pelo DATASUS do Ministério da Saúde, foram 34.147, e há que se considerar ainda o significativo montante das subnotificações.
Em que pesem os avanços de iniciativas como o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara), que tem como objetivos a diminuição do uso e a transição para modelos alternativos como a agroecologia e a produção orgânica, estamos diante de retrocessos quanto à liberação de princípios ativos já banidos em todo o mundo, mas permitidos aqui, a partir da flexibilização na legislação. Isso trará impactos irreversíveis para as populações.
Somam-se a isso os impactos do uso dos agrotóxicos nos trabalhadores e trabalhadoras e que atingem toda a cadeia produtiva, começando na indústria química, tanto na produção quanto no envase, no transporte, no manuseio no comércio, na aplicação no campo, no consumo dos alimentos pela população.
A saúde desses trabalhadores é comprometida no exercício do trabalho, pelo uso abusivo de venenos, e tem as suas defesas nocauteadas dia a dia, numa luta com um adversário oculto e silencioso que quando se revela, em geral, é tarde demais.