Os impactos dos agrotóxicos na biodiversidade e na saúde humana e os caminhos para a denúncia é tema de prosa virtual

Por Polo Agroecológico do Sul e Sudoeste de Minas e Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.

Fotografia extraída do documentário “O Uso Inseguro dos Agrotóxicos”
Fotografia extraída do documentário “O Uso Inseguro dos Agrotóxicos”.

O caso de contaminação de abelhas pelo uso de agrotóxicos na região de São Sebastião do Paraíso, no sudoeste de Minas Gerais, mobilizou o diálogo entre apicultores, pesquisadores e integrantes do movimento agroecológico na primeira edição do Polo em Prosa, organizado pelo Polo Agroecológico do Sul e Sudoeste de Minas, de forma virtual, no mês de março. Para continuar o diálogo a partir da atenção a como essas substâncias afetam outros seres e da orientação sobre como realizar a denúncia, o Polo Agroecológico realizou, neste mês de abril, a segunda edição do Polo em Prosa com o tema “Agrotóxicos: impactos na biodiversidade e na saúde humana e caminhos para a defesa da vida”.

Participaram, dessa segunda edição, Lêda Gonçalves, agrônoma, doutora em Entomologia e professora do Instituto Federal do Sul de Minas Gerais (IFSULDEMINAS) – Campus Machado; Pedro Henrique Barbosa de Abreu, doutor em saúde coletiva e professor da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP); Alice Hertzog Resadori, advogada popular e integrante do coletivo jurídico da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida; e João Paulo Braga, agricultor e integrante da Secretaria Operativa do Polo Agroecológico do Sul e Sudoeste de Minas.

Dos insetos aos ecossistemas

No início da prosa, Lêda Gonçalves apontou que há uma tendência em perceber os insetos como um problema para a produção agrícola e transformá-los em alvo do uso de inseticidas, e ressaltou como eles possuem funções extremamente importantes para os ecossistemas. “Além da polinização, eles também são fundamentais para melhorar a qualidade do solo, participam na decomposição de materiais orgânicos e disponibilizam isso para as plantas de uma forma geral”.

Em sua fala, a agrônoma comentou como a utilização de inseticidas não impacta apenas a vida desses insetos-alvo, mas a biodiversidade como um todo. “Está tudo interligado, eles não estão sozinhos, na natureza, nos ecossistemas de uma forma geral, eles estão se relacionando com outros organismos que estão aqui presentes”. Ela lembrou como os insetos participam de uma cadeia alimentar e ao serem contaminados, afetam outros seres como anfíbios, répteis e mamíferos.

Além dos impactos por meio da alimentação, Lêda Gonçalves relatou como uma grande parte dos inseticidas utilizados hoje não são seletivos e matam outros insetos que atuam como predadores e polinizadores, gerando o aumento ou a diminuição de populações e, consequentemente, desequilíbrios no ambiente. “O inseto não é praga, se ele está causando algum prejuízo, é em decorrência do que o próprio humano fez, das mudanças que ele fez no ambiente e provocou o aumento da população desses insetos”.

Ao final da sua fala, a agrônoma, que atua no ensino e pesquisa com manejo ecológico do que comumente é nomeado como “praga”, indicou caminhos para a garantia do equilíbrio nos ecossistemas como o aumento da diversidade vegetal, por meio da implantação de consórcios, do plantio entre linhas, da preservação das matas e da criação de quebra-ventos; a utilização de armadilhas, o monitoramento e o uso de plantas resistentes a certos insetos; e a aplicação de bioinsumos. Outra ação fundamental sinalizada por ela é a implementação de políticas públicas que reduzam a pressão sobre os recursos naturais, promovam a agroecologia e fortaleçam cada vez mais a agricultura familiar.

O uso (in)seguro de agrotóxicos e a saúde humana

Na continuidade da prosa, Pedro Abreu comentou sobre como o uso de agrotóxicos também impacta a saúde humana, dando atenção à existência de estruturas biológicas parecidas entre humanos e outros seres. “Sendo nós muito diferentes, mas não completamente diferentes de uma cigarra, de um peixe ou até de um matinho, nós somos impactados também por essas substâncias. Muitas vezes pelo mesmo modo de atuação.”

Com base na pesquisa de mestrado em saúde coletiva que realizou na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e resultou na dissertação intitulada “O agricultor familiar e o uso (in)seguro de agrotóxicos no município de Lavras/MG”, o professor e pesquisador argumentou como é inevitável o impacto na saúde das agricultoras e agricultores familiares que utilizam essas substâncias e suas famílias, pela inviabilidade de uma manipulação segura. 

Entre os apontamentos do estudo, está a percepção de uma distância entre as regras estabelecidas para o uso e a realidade das condições de manipulação de agrotóxicos (compra, transporte, armazenamento, preparo, aplicação, descarte das embalagens vazias e lavagem das roupas contaminadas) e das condições e estrutura geral das propriedades rurais familiares.

Apesar dessa distância, Pedro Abreu observou como a responsabilização da manipulação incorreta recai sobre quem sofre os processos de adoecimento e afirmou que, como não existe possibilidade de uso seguro de agrotóxicos, o único caminho para a garantia da saúde humana é a mudança do modelo de produção agrícola. “Não tem outro caminho, ou a gente faz a transição agroecológica ou a gente não está fazendo promoção da saúde.”

Os casos de pulverização aérea e os caminhos para a denúncia

A advogada popular Alice Hertzog apresentou, na prosa, outros elementos para dialogar sobre os impactos do uso de agrotóxicos na biodiversidade e na saúde humana, citando casos de assentamentos de reforma agrária atingidos pelo efeito de deriva da pulverização aérea dessas substâncias. “Essas gotículas que são dispersadas por avião atingem raios de 10 quilômetros, podendo aumentar essa distância conforme as condições climáticas”, relatou. A advogada e os participantes da prosa ainda alertaram para o risco das aplicações com drones, em que há uma diminuição significativa dessa distância.

Com base no Dossiê “Agrotóxicos e Violação de Direitos Humanos no Brasil – Denúncias, fiscalização e acesso à Justiça” elaborado pela Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Alice Hertzog compartilhou, na prosa, algumas orientações sobre como fazer a denúncia, reforçando, primeiramente, a importância de ações preventivas. “A gente sabe efetivamente e temos identificado na prática, como esses elementos, essa produção de provas preventivas, tem sido útil e indispensável nos processos judiciais que a gente tem levado a frente e acompanhado nos outros estados”.

Entre essas ações está a produção de fotografias e vídeos das culturas agrícolas no período em que está prevista a pulverização aérea nas propriedades vizinhas, que auxiliam a provar como elas estavam saudáveis antes da aplicação das substâncias; a instalação de caixas de abelhas, que funcionam como bioindicadores dos processos de contaminação; e de uma estação meteorológica com equipamentos para medir as condições climáticas no momento da pulverização.

Na sequência da prosa, a advogada orientou sobre como agir no caso de um processo de contaminação. A primeira orientação foi a identificação, nos dias subsequentes, dos danos e, se as pessoas apresentarem sintomas, a ida até um posto de saúde do Sistema Único de Saúde, onde deve ser notificada a suspeita de contaminação por agrotóxicos e solicitada a utilização de um protocolo existente no SUS para esse tipo de ocorrência e a realização de exames médicos.

Para a denúncia, Alice Hertzog elencou as provas que podem ser apresentadas: testemunhos de pessoas que relatem o ocorrido; amostras enviadas para a análise; laudos dos exames médicos; boletim de ocorrência registrado na Polícia Civil; estudos acadêmicos sobre os efeitos de agrotóxicos; mapa da área atingida, se possível com coordenadas; fotografias e vídeos da produção agrícola antes e depois da pulverização; filmagem do voo, se possível com o prefixo da aeronave; informações sobre as condições climáticas.

A recomendação é que a denúncia seja feita ao órgão estadual responsável por fiscalizar o uso de agrotóxicos nas propriedades – no caso de Minas Gerais, o Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) – e também no Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA). Se houver mortandade de abelhas, ela afirmou que é possível acionar a inspetoria veterinária local e a assistência técnica rural e protocolar um boletim de ocorrência na Patrulha Ambiental.

A advogada esclareceu que, caso as pessoas atingidas não tenham apoio ou assessoria jurídica, é possível entrar em contato com a Defensoria Pública ou o Ministério Público e, se houver danos a trabalhadoras e trabalhadores, com o Ministério Público do Trabalho também. Na ocorrência de danos ambientais, ela recomenda fazer a denúncia de forma coletiva, por meio de associações, organizações ou movimentos sociais para evitar perseguições individuais, e, se houver ameaça, solicitar medidas de proteção para a comunidade atingida. Depois da denúncia, a orientação é fazer pressão social e acionar conselhos de direitos humanos, de segurança alimentar e de saúde, e universidades.

Embora enfatize a importância da denúncia, Alice observa como esse processo é desgastante para as famílias atingidas, que, além de enfrentarem danos econômicos, ambientais e de saúde, precisam investir em formas de prevenção e realizar a coleta de provas e comentou sobre algumas estratégias jurídicas que têm sido debatidas em nível nacional. Entre elas está a criação de leis municipais e estaduais que proíbam a pulverização aérea de agrotóxicos e determinadas substâncias, e a construção de polígonos de exclusão do uso e pulverização aérea de agrotóxicos para proteger áreas onde existe uma concentração da produção agroecológica.

Como assistir essa e outras prosas

O vídeo da segunda edição do Polo em Prosa, realizada a partir do tema “Agrotóxicos: impactos na biodiversidade e na saúde humana e caminhos para a defesa da vida”, está disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=XPZXn-Fc_zQ.

O Polo em Prosa é uma série de encontros virtuais, realizados mensalmente, para prosear sobre questões relevantes para a agroecologia no território do Sul e Sudoeste de Minas Gerais, organizados pelo Polo Agroecológico do Sul e Sudoeste de Minas.

Para receber notificações sobre as próximas edições é possível se inscrever no canal no Youtube (@poloagroecologicodosulesud1050) ou acompanhar as publicações na página do Instagram (@passomg) do Polo.

O Polo Agroecológico do Sul e Sudoeste de Minas

O Polo Agroecológico do Sul e Sudoeste de Minas é um espaço de articulação política e construção coletiva da agroecologia, instituído pela Lei Estadual nº 23.939, de 23 de setembro de 2021, e possui um papel político e atuante na defesa da luta pela terra, dos territórios, dos sistemas agroalimentares agroecológicos, da soberania alimentar, do meio ambiente e da biodiversidade.

Por meio da articulação entre diversos atores, o Polo apoia e organiza atividades de diagnóstico, sistematização, mobilização e Construção do Conhecimento Agroecológico como pesquisas, encontros, reuniões, cursos e oficinas, baseadas na valorização dos saberes ancestrais das agricultoras e agricultores e da ciência socialmente relevante e comprometida com a vida.


Links dos materiais indicados pelos participantes

Dossiê “Agrotóxicos e Violação de Direitos Humanos no Brasil – Denúncias, fiscalização e acesso à Justiça”: https://contraosagrotoxicos.org/wp-content/uploads/2022/09/Dossie-Agrotoxicos-e-Violacoes-de-Direitos-web.pdf.

Documentário “O uso inseguro dos agrotóxicos”:

Documentário “Nuvens de Veneno”: https://www.youtube.com/watch?v=jZ1QUAxFaxs


Documentário “Nem pop, nem top – um drama de saúde pública no centro do agronegócio”: https://www.youtube.com/watch?v=qPXu-kh6LeM

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